Fichamentos de Carl Sagan

SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônio: a ciência vista como uma vela no escuro. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2006. 






É um desafio supremo para o divulgador da ciência deixar bem clara a história real e tortuosa das grandes descobertas, bem como os equívocos e, por sua vez, a recusa obstinada de seus profissionais a tomar outro caminho. Muitos textos escolares, talvez a maioria dos livros didáticos científicos, são levianos nesse ponto. É muitíssimo mais fácil apresentar de modo atraente a sabedoria destilada durante séculos de interrogação paciente e coletiva na Natureza do que detalhar o confuso mecanismo da destilação. O método da ciência, por mais enfadonho e ranzinza que pareça, é muito mais importante do que as descobertas dela.  (p. 40) 

Santo Agostinho ficava exasperado com os demônios. Ele cita o pensamento pagão prevalecente na sua época: "Os deuses ocupam as regiões mais elevadas, os homens as mais baixas, os demônios, a região intermediária...Eles têm a imortalidade do corpo, mas as paixões da mente em comum com os homens". No livro VIII de A Cidade de Deus (iniciado em 413), Agostinho assimila essa antiga tradição, substitui os deuses por Deus, e converte os demônios em diabos - afirmando que eles são, sem exceção, malignos. Não têm virtudes redentoras. São a fonte de todo mal espiritual. e material. Ele os chama de "animais aéreos [...] muito ansiosos por infligir dano, totalmente opostos à retidão, inchados de orgulho, pálidos de inveja, sutis no engano". Podem se declarar mensageiros entre Deus e os homens, disfarçando-se como anjos do Senhor, mas essa sua atitude é uma armadilha que nos leva à destruição. Podem assumir qualquer forma, e sabem muitas coisas - "demônio" significa "conhecimento" em grego , especialmente sobre o mundo material. Por mais inteligentes que sejam, não têm caridade. Atacam "as mentes cativas e ludibriadas dos homens", escreveu Tertuliano. "Eles têm a sua moradia no ar, as estrelas são os seus vizinhos, e as suas relações são com as nuvens. " (p. 140)


Mas pode ser muito mais perigoso que isso, e quando os governos e as sociedades perdem a capacidade de pensar criticamente os resultados podem ser catastróficos - por mais que deploremos aqueles que engoliram a mentira.  (p. 240) 

Na ciência, podemos começar com resultados experimentais, dados, observações, medições, "fatos". Inventamos, se possível, um rico conjunto de explicações plausíveis e sistematicamente confrontamos cada explicação com fatos. Ao longo de seu treinamento, os cientistas são equipados com um kit de detecção de mentiras. Este é ativado sempre que novas ideias são apresentadas para consideração. Se a nova ideia sobrevive ao exame das ferramentas do kit, nós lhe concedemos aceitação calorosa, ainda que experimental. Se possuímos essa tendência, se não desejamos engolir mentiras mesmo quando são confortadoras, há precauções que podem ser tomadas, existe um método testado pelo consumidor, experimentado e verdadeiro. (p. 240, 241) 

O que existe no kit? Ferramentas para o pensamento cético. 

O pensamento cético se resume no meio de construir e compreender um argumento racional e - o que é especialmente importante - de reconhecer um argumento falacioso ou fraudulento. A questão não é se gostamos da conclusão que emerge de uma cadeia de raciocínio, mas se a conclusão deriva da premissa ou do ponto de partida e se essa premissa é verdadeira. (p. 241)

Eis algumas das ferramentas:

- Sempre que possível, deve haver confirmação independente dos "fatos". 
- Devemos estimular um debate substantivo sobre as evidências, do qual participarão notórios partidários de todos os pontos de vista. 
- Os argumentos de autoridade têm pouca importância - as "autoridades" cometeram erros no passado. Voltarão a cometê-los no futuro. Uma forma melhor de expressar essa ideia é talvez dizer que na ciência não existem autoridades; quando muito, há especialistas. 
- Devemos considerar mais de uma hipótese. Se alguma coisa deve ser explicada, é preciso pensar em todas as maneiras diferentes pelas quais poderia ser explicada. Depois devemos pensar nos testes que poderiam servir para invalidar sistematicamente cada uma das alternativas. O que sobreviver, a hipótese que resistir a todas as refutações nessa seleção darwiniana entre as "múltiplas" hipóteses eficazes", tem uma chance muito melhor de ser a resposta correta do que se tivéssemos simplesmente adotado a primeira ideia que prendeu nossa imaginação. (p. 241) 


14. A ANTICIÊNCIA 



Não há verdade objetiva. Nós criamos nossa própria verdade. Não há realidade objetiva. Nós criamos nossa própria realidade. Há formas de conhecimento interiores, místicas ou espirituais que são superiores às nossas formas comuns de conhecimento. Se uma experiência parece real, ela é real. Se uma idéia nos parece correta, ela é correta. Somos incapazes de adquirir o conhecimento da verdadeira natureza da realidade. A própria ciência é irracional ou mística. É apenas outro credo, outro sistema de crença ou outro mito, e não tem mais justificação do que qualquer um dos outros. Não importa se as convicções são verdadeiras ou não, desde que elas façam sentido para você. 

Um resumo das ideias da Nova Era, tirado de Theodore Schick Jr. e Lewis Vaughn, How to thik about weird: critical thinkng for a New Age (Mountain View, CA, Mayfield Publishing Company, 1995) 
 
Os mitos e o folclore de muitas culturas pré-modernas têm um valor explicativo ou, pelo menos, mnemônico. Por meio de histórias que todos podem apreciar e até testemunhar, eles codificam o meio ambiente. (p. 289, 290) 

A ciência é um empreendimento coletivo com um mecanismo de correção de erro que frequentemente funciona sem embaraços. Ela tem uma esmagadora vantagem sobre a história, porque na ciência podemos fazer experiências.  Se não temos certeza de como foram as negociações que resultaram ono Tratado de Paris em 1814-5, encenar de novo os acontecimentos não é uma opção possível. Podemos apenas cavar informações em antigos registros. Nem podemos fazer perguntas aos que participaram da ação. Todos estão mortos. (p. 294)

"Há uma estrutura estabelecida na qual qualquer cientista pode provar que o outro está errado, sabendo que tal informação será do conhecimento de todos os demais. Mesmo quando os nossos motivos são vis, não deixamos de tropeçar em algo novo."  (p. 295)


Thomas Jefferson e Georg Whashington eram proprietários de escravos; Albert Einstein e Mahatma Gandhi foram maridos e pais imperfeitos. A lista continua indefinidamente. Somos criaturas de nosso tempo, cheios de falhas. Será justo nos julgar pelos padrões desconhecidos do futuro? Alguns dos hábitos de nossa época serão, sem dúvida, considerados bárbaros pelas gerações posteriores - talvez o fato de insistir para que as crianças e até os bebês durmam sozinhos, e não junto com os pais; ou o de alimentar paixões nacionalistas como meio de ganhar aprovação popular e alcançar um alto cargo político; ou o de permitir o suborno e a corrupção como meio de vida; ou o de ter animais de estimação; ou o de comer animais e enjaular chimpanzés; ou o de criminalizar o uso de euforizantes por adultos; ou o de permitir que os nossos filhos cresçam ignorantes. (p. 300) 

Thomas Paine [...] estava muito a frente de seu tempo. Opôs-se corajosamente à monarquia, à aristocracia, ao racismo, à escravidão, à superstição e ao sexismo, quando tudo isso constituía a sabedoria convencional. Foi inabalável em sua crítica à religião convencional. Escreveu em The age of reason: "Sempre que lemos histórias obscenas, as orgias voluptuosas, as execuções cruéis e torturantes, o espírito inexorável de vingança que impregnam mais da metade da Bíblia, seria mais coerente dizer que ela é a palavra de um demônio do que a palavra de Deus. Ela [...]  tem servido para corromper e brutalizar a humanidade". Ao mesmo tempo, o livro demonstrava a mais profunda reverência por um Criador do Universo.  (p. 300) 

A ciência é diferente de muitos outros empreendimentos humanos - evidentemente não pelo fato de seus profissionais sofrerem influência da cultura em que se criaram, nem pelo fato de ora estarem certos, ora errados ( o que é comum a toda atividade humana), mas pela sua paixão de formular hipóteses testáveis, pela sua busca de experimentos definitivos que confirmem ou neguem as ideias, pelo vigor de seu debate substantivo e pela sua disposição a abandonar as ideias que foram consideradas deficientes. Porém, se não tivéssemos consciência de nossas limitações, se não procurássemos outros dados, se nos recusássemos a executar experimentos controlados, se não respeitássemos a evidência, teríamos muita pouca força em nossa busca da verdade. Por oportunismo e timidez, poderíamos ser então fustigados por qualquer brisa ideológica, sem nenhum elementos de valor duradouro a que nos agarrar. (p. 305) 


É mais frequente que a confiança seja gerada pela ignorância do que pelo conhecimento: são os que conhecem pouco, e não os que conhecem muito, os que afirma positivamente que este ou aquele problema nunca será solucionado pela ciência. Charles Darwin, introdução, The descent of man (1871) 

... a evidência de algo não material, chamado "espírito" ou "alma", é muito questionável. Sem dúvida, cada  um de nós tem uma rica vida interior. [...] Certo, há muita coisa sobre a consciência humana que não compreendemos plenamente e ainda não podemos explicar em termos de neurobiologia. (p. 307) 

Teller tem afirmado, não sem alguma plausibilidade, que as bomas de hidrogênio mantém a paz, ou pelo menos impedem a guerra termonuclear, porque as consequências de um conflito entre potências nucleares são agora demasiado perigosas. Ainda não tivemos uma guerra nuclear, não é mesmo?  (p. 327)


Em Miquéias, recebemos ordens de agir com justiça e amar a misericórdia; no Êxodo, somos proibidos de cometer homicídios; no Levítico, a ordem é amar o nosso próximo como a nós mesmos; e, nos Evangelhos, somos instados a amar os nossos inimigos. Entretanto, pensem nos rios de sangue derramado pelos seguidores ardorosos dos livros em que se encontram incrustradas essas exortações de boa intenção. (p. 331) 

Numa vida curta e incerta, parece cruel fazer qualquer coisa que possa privar as pessoas do consolo da fé, quando a ciência não pode remediar a sua angústia. Aqueles que não conseguem suportar o peso da ciência têm a liberdade de ignorar os seus preceitos. Mas não podemos fazer ciência aos pedacinhos, aplicando-a quando nos sentimentos seguros e ignorando-a quando nos sentimentos ameaçados - mais uma vez, porque não temos sabedoria para tanto. A não ser dividindo a mente em compartimentos herméticos separados, como é possível voar em aeroplanos, escutar rádio ou tomar antibióticos, sustentando ao mesmo tempo que a Terra tem cerca de 10 mil anos ou que todos os sagitárianos são gregários e afáveis? (p. 337) 


Todos nós acalentamos as nossas crenças. Em certo grau, elas definem o nosso eu. Quando aparece alguém que desafia o nosso sistema de crenças, declarando que sua base não é suficientemente boa - ou que, como Sócrates, faz perguntas embaraçosas em que não tínhamos pensado, ou demonstra que varremos para baixo do tapete pressupostos subjacentes de importância capital -, tal fato se torna muito mais do que uma busca do conhecimento. Nós o sentimos como um ataque pessoal. (p. 337) 

O cientista que pela primeira vez propôs consagrar a dúvida como uma virtude fundamental da inteligência indagadora deixou claro que ela não era um fim em si mesmo, mas uma ferramenta. René Descartes escreveu: 

Não imitei os céticos que duvidam apenas por duvidar, e fingem estar sempre indecisos; ao contrário, toda a minha intenção foi chegar a uma certeza, afastar os sedimentos e a areia para chegar à pedra ou ao barro que está embaixo. 

... os adeptos da superstição e da pseudociência são seres humanos com sentimentos reais que, como os céticos tentam compreender como o mundo funciona e qual poderia ser o nosso papel nele. (p. 338) 

Imagine que você entra num táxi numa grande cidade e, assim que se acomoda no carro, o motorista começa a discursar sobre as supostas iniquidades e inferioridades de outro grupo étnico. O melhor a fazer é ficar calado, tendo em mente que quem cala consente? Ou a sua responsabilidade moral é discutir com o motorista, expressar sua indignação, até mesmo sair do táxi - porque você sabe que cada consentimento silenciosa será estímulo para o próximo discurso, e que cada discordância vigorosa o levará a pensar duas vezes na próximas vez? Da mesma forma, se calamos demais sobre misticismo e a superstição - mesmo quando parecem estar fazendo algum bem, favorecemos um clima geral em que o ceticismo passa a ser considerado descortês, a ciência cansativa e o pensamento rigoroso algo insípido e inapropriado. Encontrar um equilíbrio prudente exisge sabedoria. (p. 338) 


No coração da ciência existe um equilíbrio essencial entre duas atitudes aparentemente contraditórias - uma abertura para novas idéias, por mais bizarras ou contrárias à intuição, e o exame cético mais implacável de todas as idéias, antigas e novas. É dessa forma que as verdades profundas são joeiradas dentre profundos disparates. (p. 345) 

Ao mesmo tempo, a ciência requer o ceticismo mais vigoroso e intransigente, porque a imensa maioria das ideias está simplemente errada, e a única maneira de separar o joio do tripo é pela análise e experiência críticas. Se somos abertos a novas ideias a ponto de ser crédulos, e se não temos nem um micrograma de senso cético, não podemos distinguir as ideias promissoras das que pouco valem. Aceitar acriticamente toda noçao, ideias e hipótese prefessada equivale a não conhecer nada. As ideias se constradizem umas às outras; somente pelo exame cético podemos decidir entre elas. Algumas são de fato melhores do que outras. (p. 346 e 347) 

A mistura judiciosa desses dois modos de pensar é essencial para o sucesso da ciência. Os bons cientistas empregam ambos. Por sua própria conta, falando com os seus botões, ele produzem muitas ideias novas e as criticam de forma sistemática. A maioria delas nunca chega ao mundo exterior. Apenas aquelas que passam por um filtro pessoal rigoroso são divulgadas, para se submeter às críticas feitas pelo resto da comunidade científica.  (p. 347) 


A civilização chinesa inventou o tipo móvel, a pólvora, o foguete, a bússola magnética, o simógrafo, bem como realizou observações sistemáticas e as crônicas dos céus. Os matemáticos indianos inventaram o zero, a chave para uma aritmética confortável e, portanto, para a ciência quantitativa. A civilização asteca desenvolveu um calendário muito melhor do que o da civilização europeia que a invadiu e destruiu; os astecas tinham mais capacidade de predizer onde estariam os planetas, e por períodos mais longos no futuro. Mas nenhuma dessas civilizações, afirma Cromer, desenvolveu o método das ciência cético, investigador e experimental. Isso tudo veio da Grécia antiga: 

O desenvolvimento do pensamento objetivo pelos gregos parece ter exigido certo número de fatores culturais específicos. O primeiro foi a assembléia, onde os homens aprenderam pela primeira vez a persuadir uns aos outros por meio do debate racional. O segundo foi uma economia marítima que impedia o isolamento e o provincianismo. O terceiro foi a existência de um mundo bem amplo de língua grega em que os viajantes e os eruditos podiam perambular. O quarto foi a existência de uma classe mercantil independente que podia contratar os seus próprios professores. O quinto foi a Ilíada e a Odisséia, obras-primas da literatura que são, em si mesmas, o epítome do pensamento racional liberal. O sexto foi uma religião literária que não era dominada por padres. E o sétimo foi a persistência desses fatores durante mil anos.  (p. 350)


Não acho que a ciência seja difícil de ensinar porque os seres humanos não estão preparados para esse tipo de conhecimento, ou porque ela nasceu apenas por um acaso feliz, ou porque, de modo geral, não temos bastante inteligência para compreendê-la. Pelo contrário, o enorme gosto pela ciência que vejo nos alunos da escola primária e a licção dos caçadores-coletores remanescentes falam eloquentemente: a inclinação para a ciência está profundamente entranhadas em nós, em todas as épocas, lugares e culturas. Tem sido o meio da nossa sobrevivência. É nosso direito hereditário. Quando, por indiferência, desatenção, incompetência ou medo do ceticismo, dissuadimos as crianças de estudar ciência, nós as privamos de um direito seu, roubando-lhes as ferramentas necessárias para administrar o seu futuro. (p. 359 e 369) 

Mas quando o que precisa ser aprendido muda com rapidez, especialmente no curso de uma única geração, torna-se muito mais difícil saber o que ensinar e como ensiná-lo. Então os estudantes se queixam da relevância; diminui o respeito pelos mais velhos. Os professores se desesperam ao constatar como os padrões educacionais se deterioram e como os estudantes se tornam apáticos. Num mundo em transição, tanto os estudantes como os professores precisam ensinar a si mesmos uma habilidade essencial - aprecisam aprender a aprender. (p. 361) 

Por que os adultos têm de fingir onisciência diante de crianças de seis anos é algo que nunca vou compreender. O que há de errado em admitir que não sabemos alguma coisa? A nossa auto-estima é assim tão frágil? (p. 363)

Não existem perguntas imbecis. 
As crianças inteligentes e curiosas são um recurso nacional e mundial. Precisam receber cuidados, ser tratadas com carinho e estimuladas. Mas o mero estímulo não é suficiente. Temos de lhes dar também as ferramentas essenciais com que pensar. (p. 364) 

Dos adultos norte-americanos, 63% não sabem que o último dinossauro morreu antes que o primeiro ser humano aparecesse; 75% não sabem que os antibióticos matam as bactérias, mas não matam os vírus; 57% não sabek que os "elétrons são menores que os átomos". As pesquisas de opinião mostram que aproximadamente metade dos adultos norte-americanos não sabe que a Terra gira ao redor do Sol e leva um ano para fazer a volta. (p.365)

Entre muitas outras ironias, está o fato de que a evidência lúcida de que a Terra é uma esfera, reunida pelo astrônomo grego-egípcio Cláudio Ptolomeu no século II, foi transmitida para o Ocidente por astrônomos muçulmanos e árabes. No século IX, eles deram o livro de Ptolomeu em que é demonstrada a efericidade da Terra o nome de Almagesto, " o maior". (p. 366) 

Conheço muitas pessoas que se sentem ofendidas com a evolução, que preferem apaixonadamente ser uma obra pessoa de Deus e ter surgido do lodo das forças físicas e químicas cegas ao longo das eras. Elas também tendem a evitar o contato com a evidência. Esta tem pouco a ver com a questão: o que elas querem que seja verdade, elas acreditam que é verdade. [...] (p. 367) 

Durante a Grande Depressão, os professores gozavam de emprego seguros, bons salários, respeitabilidade. Ensinar era uma profissão admirada, em parte porque se reconhecia que a educação era o caminho para sair da pobreza. Pouco disso é verdade hoje em dia . E assim o ensino da ciência (e de outras disciplinas) é muitas vezes ministrado de forma incompetente ou pouco inspirada, pois, espantosamente, seus profissionais têm pouca ou nenhuma formação nas próprias disciplinas, monstra-se impacientes com o método, têm pressa de chegar às descobertas da ciência - e às vezes são eles mesmos incapazes de distinguir a ciência da pseudociência. Aqueles que têm a formação adequada em geral conseguem empregos mais bem pagos em outros lugares. (p. 367) 

Por que os cientistas têm dificultdades em transmitir a ciência? Alguns cientistas - inclusive muito bons  - me disseram que gostaruam de divukgar a ciência, nas sebten que não tem talento nessa área. Saber e explicar, dizem não é a mesma coisa. Qual é o segredo?

Há apenas um, na minha opinião: não falar para o público em geral como falaríamos com nossos colegas do ramo. [...] Usar a linguagem mais simples possível. Acima de tudo, lembrar como é que pensávamos antes de compreender o que estamos explicando. Lembrar os equívocos em que quase caímos, e anotá-los explicitamente. Manter sempre em mente que já houve uma época em que também nada entendíamos do assunto. Recapitular os primeiros passos que nos levaram da ignorância ao conhecimento. Jamais esquecer que a inteligência inata é amplamente distribuída na nossa espécie. Na verdade, é o segredo de nosso sucesso.  (p, 377)
 
- a melhor maneira de divulgar a ciência é por meio de livros didáticos, livros populares, CD-ROMs e toca-discos a laser. Pode-se ruminar a informação, seguir o próprio ritmo, rever as partes mais difíceis, comparar os textos, compreender em profundidade. Mas isso tem de ser feito de forma correta, e, sobretudo nas escolas, não é o que acontece. (p.379) 

Pelo menos de vez em quando, devemos mostrar a evidência e deixar o leitor tirar a sua própria conclusão. Isso transforma a assimilação obediente do novo conhecimento em descoberta pessoal. Quando alguém faz uma descoberta por si mesmo - mesmo que seja a última pessoa na Terra a ver a luz - , jamais a esquecerá. (p. 380) 

Também quero que deixemos de produzir no curso secundário alunos de raciocínio lento, desprovidos de imaginação, senso crítico e curiosidade. A nossa espécie necessita e merece cidadãos com mentes bem abertas e com uma compreensão básica de como o mundo funciona.

A ciência, na minha opinião, é uma ferramenta absoltutamente essencial para qualquer sociedade que tenha a esperança de sobreviver bem no próximo século com seus valores fundamentais intactos - não apenas como é praticada pelos seus profissionais, mas a ciência compreendida e adotada por toda a comunidade humana. E se os cientistas não realizarem essa tarefa, quem o fará? (p. 381) 

Não há uma solução única para o problema do analfabetismo em ciência  - ou em matemática, história, inglês, geografia e muitos dos outros campos de que nossa sociedade mais necessita. As responsabilidades são amplamente partilhadas - os pais, o eleitorado, os conselhos dass escolas locais, a mídia, os professores, os administradores, os governos federal, estadual e local, além dos próprios estudantes, é claro. Em cada nível, os professores se queixam de que o problema está nas séries anteriores. E os professores do primeiro ano primário podem com razão entrar em desespero, por ter de ensinar crianças com deficiências de aprendizado causadas por má nutrição, por não ter livros em casa ou por viver numa cultura de violência em que não há tempo livre para pensar. (p. 390)


Dorothy Rich, uma professora inovadora de Yonkers, em Nova York, acredita que muito mais importante do que as disciplinas acadêmicas específicas é a promoção de habilidades-chaves que ela enumera da seguinte maneira: "confiança, perseverança, interesse, trabalho de equipe, bom senso e capacidade de solucionar problemas". Ao que eu acrescentaria o pensamento cético e a capacidade de se maravilhar. (p. 391) 


Durante 99% do período de existência dos seres humanos, ninguém sabia ler ou escrever. A grande invenção ainda não fora criada. À exceção da experiência em primeira mão, quase tudo o que conhecíamos era transmitido oralmente. Como no brinquedo infantil "telefone sem fio", durante dezenas e centenas de gerações, as informações foram lentamente distorcidas e perdidas. 

Parte Importante sobre os LIVROS:

Os livros mudaram tudo isso. Passíveis de ser adquiridos a um preço barato, eles nos possibilitam interrogar o passado com alto grau de precisão; estabelecer comunicação com a sabedoria de nossa espécie; compreender o ponto de vista de outros, e não apenas os dos que estão no poder; considerar - com os melhores professores - as ideias extraídas a duras penas da Natureza pelas maiores inteligências que já existiram em todo o planeta e em toda a nossa história. Permitem que pessoas há muito tempo mortas falem dentro de nossas cabeças. Os livros podem nos acompanhar por toda parte. Pacientes quando custamos a compreender, eles nos deixam rever as partes difíceis quantas vezes desejarmos, e jamais criticam nossos lapsos. Os livros são essenciais para compreender o mundo e participar de uma sociedade democrática. (p.402) 


[...]



Se não podemos pensar por nós mesmos, se não estamos dispostos a questionar a autoridade, somos apenas massa de manobra nas mãos daqueles que detêm o poder. Mas, se os cidadãos são educados e formam as suas próprias opiniões, aqueles que detêm o poder trabalham para nós. Em todo país, deveríamos ensinar às nossas crianças o método científico e as razões para uma Declaração de Direitos. No mundo assombrado por demônios que habitamos em virtude de sermos humanos, talvez seja apenas isso o que se interpõe entre nós e a escuridão circundante. (p. 485) 

Fim de livro...





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Síntese de Sapiens: Uma breve história da Humanidade

Apologia da História ou Ofício de Historiador