Interseccionalidade


(Livro lido durante o período de isolamento social de autoria de Carla Akotirene)


Vou começar citando um trecho do livro que para mim fala sobre a potência do feminino e excepcionalmente aqui da mulher negra que, muitas vezes, constrói sua identidade a partir do racismo, ou seja, da negação: “embora Oxalá só possa usar a cor branca, ele põe nos cabelos a pena vermelha, o okodide, em homenagem ao sangue menstrual, símbolo da fertilidade e da concepção. Então, percebem que a dominação masculina não se explica pela natureza inferior da mulher, mas pelo reconhecimento de suas potencialidades e pelo temor que isso inspira”. (p. 85)

O livro de autoria de Carla Akotirene é parte de um projeto chamado Feminismos Plurais coordenado por Djamila Ribeiro. O objetivo do projeto é trazer questões importantes referentes aos diversos feminismos de maneira didática, além de divulgar a produção intelectual de mulheres negras. É também para repensar a categoria de mulher universal. Não “somos todas mulheres”, pois existe a mulher branca, a mulher lésbica, a mulher indígena, a mulher negra, a mulher mãe, enfim.

No livro, a autora aborda interseccionalidade como vivências e intersecções a que está submetida uma pessoa e especificamente a mulher negra. O termo interseccionalidade como conceito, nasce no contexto estadunidense e foi cunhado por Kimberlé Crenshaw em 2001 e dá instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado. Segundo Kimberlé Crenshaw, interseccionalidade é uma forma de pensar identidade e sua relação com o poder. Nesse sentido, é uma maneira de pensar a identidade da mulher negra, mas também de mulheres não negras, para pensarem de modo articulado suas experiências identitárias.

Essa articulação metodológica que é proposta por feministas negras recupera bagagens ancestrais perdidas. O livro traz conceitos para repensamos as opressões da nossa sociedade cisheteropatriarcal branca e faz menção a mulheres como Lélia Gonzales, Patrícia Hill Collins, bell hooks, Audre Lorde, entre outras. E traz conceitos, pelo menos para mim ainda não tão compreendidos e apropriados, como cisheteropatriarcado, decolonialismo, terceiro-mundismo e outros.

 Um ponto fundamentalmente importante é que a interseccionalidade nos leva a reconhecer a possibilidade de sermos oprimidas e de corroborarmos com as violências. Os povos colonizados herdaram traumas psíquicos, perderam significados espirituais, linguísticos e cosmológicos como parte da subjugação da Europa ao conhecimento de africanas e africanos, daí a marginalização das epistemes locais.

O que a ideia da interseccionalidade faz? Como seu nome diz, intersecciona. Então, o problema da interseccionalidade é que, por meio dela, primeiro se assume que as identidades se constroem de modo autônomo, ou seja, minha condição de mulher está separada da minha condição de negra e que minha condição de negra também está separada da minha condição de classe por exemplo. Esse é o primeiro problema.  Segundo o livro, a interseccionalidade pode ajudar a enxergarmos as opressões, combate-las, reconhecendo que algumas opressões são mais dolorosas. Às vezes oprimimos, mas às vezes somos opressores.


AKOTIRENE, C. Interseccionalidade. São Paulo, SP: Sueli Carneiro; Pólen, 2019. 152 p.

 

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