Fichamento ou apenas alguns trechos retirados a partir da leitura do livro Meditações de Marco Aurélio

TRECHOS DO LIVRO “MEDITAÇÕES de MARCO AURÉLIO”

INTRODUÇÃO

Para Marco Aurélio, a filosofia se reduz, a rigor, àquilo que Aristóteles classificou como ciências práticas, especialmente a ética, a política e a retórica. A maior importância da ética é claramente destacada, já que a prática das virtudes, não só das ditas clássicas – sabedoria, justiça, moderação e coragem – como também as estoicas impassibilidade, simplicidade, benevolência, espírito comunitário e resignação ou aceitação -, é o fundamento da existência de todo e qualquer indivíduo. (p. 10)

LIVRO I

10. De Alexandre, o gramático, não censurar nem interromper alguém de modo ultrajante por conta de um barbarismo, uma falha relacionada às regras de linguagem ou à pronúncia desagradável, mas habilmente orientar a única expressão a ser proferida, seja a título de uma resposta, seja uma aprovação, seja uma confirmação comum em torno do mesmo assunto, sem levar em conta a forma, seja ainda mediante alguma outra advertência oportuna feita de maneira conveniente e agradável. (p.17)

15. De Máximo, o autocontrole e não perder o rumo certo por nada; e a confiança e o bom humor em outras situações, inclusive nas doenças; e a mescla do caráter de doçura e seriedade; e realizar o que está diante de si sem reclamação; e todos acreditavam que seu discurso correspondia a seu pensamento, e suas ações não eram realizadas com maldade. E não era pessoa de se deixar assombrar-se e atemorizar-se, e de maneira alguma precipitar-se, ou adiar algo, ou não saber o próprio rumo, ou baixar a cabeça em desalento, ou rir para disfarçar a irritação; ou, pelo contrário, irritar-se ou olhar os indivíduos com suspeição; era de fazer o bem e perdoar, avesso à falsidade, e aparentava mais ser um homem que não podia ser desviado da retidão do que um indivíduo que fora corrigido; também era de se observar que ninguém podia se crer desprezado por ele nem arriscar pensar ser alguém melhor que ele; além disso, era uma pessoa que demonstrava reconhecimento. (p. 19)

16. De meu pai, herdei a polidez e a paciência exercidas com calma e firmeza nas decisões tomadas meticulosamente; e a indiferença em relação à vanglória nas coisas chamadas honras; e o amor ao trabalho e à persistência; [...] preservar zelosamente os amigos, sem deles logo desgostar nem ter por eles uma afeição exacerbada; contentar-se com tudo e manter a alegria; ser previdente com o futuro e dispor antecipadamente as menores minúcias sem fazer disso uma tragédia; reduzir os clamores e toda espécie de bajulação dirigidos a si; [...]. (p. 19 e 20)

Conservar-se forte e constante na trilha da moderação e da sobriedade em todas as situações é marca de um homem possuidor de uma alma íntegra e imbatível... (p.21)

17. Dos deuses recebi bons avós, bons pais, uma boa irmã. Bons mestres, bons serviçais, parentes, amigos: quase todos aqueles que possuo. (p. 21)

 

 

LIVRO II

1.Acolhe a Alvorada já dizendo, antecipadamente, para ti mesmo: vou topar com o indiscreto, com o ingrato, com o insolente, com o pérfido, com o invejoso, com o insociável. Todas essas qualidades negativas lhes ocorrem por conta de sua ignorância do bem e do mal. Eu, entretanto, que contemplei a natureza do bem, que é nobre, e a do mal, que é vil, e a natureza de quem incorre no erro, a qual me é inata e a mim aparentada, não apenas porque do mesmo sangue ou da mesma semente como também porque participante de idêntica inteligência e parcela de divindade, não me é possível ser prejudicado por nenhum deles; com efeito ninguém me envolve com o que é vil; não sou capaz de enraivecer contra meu semelhante nem odiá-lo, pois nascemos para a mútua cooperação e assistência, como os pés, como as mãos, como as pálpebras, como as fileiras de dentes superiores e inferiores, de modo que a oposição a isso contraria a natureza; essa oposição produz animosidade e aversão. (p. 25)

2. Não te lamentes com as dificuldades fixadas pelo destino no presente nem temas ou procures fugir do que para ti está reservado no futuro. (p. 26)

Sobre Procrastinação e brevidade da vida

4. Lembra-te por quanto tempo adiaste cumprir tuas obrigações e com que frequência te omitiste a tirar proveito das oportunidades concedidas aos deuses. Tu precisas e já é hora de, porém, perceber de que espécie de mundo és uma parte e de que espécie de governante do mundo tu próprio vieste como algo que jorra de tal fonte e também de que há para ti um limite definido de tempo que, se não for usado por ti para tranquilizar e fazer perecer teus desequilíbrios, escoará contigo sem retornar. (p. 26)

5. Pensas firmemente a todo instante, como romano e homem, em realizar o que tens nas mãos com dignidade – ao mesmo tempo, estrita e sincera – ternura, liberdade e justiça; ademais, confere a ti mesmo repouso no que se refere a todas as demais ideias. Porém, tu conferirás a ti repouso executando cada ação de tua vida como se fosse a última afastando toda leviandade e desvio passional daquilo que a razão decide. (p. 27)

 

11.Considerando que é possível tu deixares esta vida a qualquer momento, administra cada ato, palavra e pensamento em consonância com isso. (p. 28) 

Tempo

17.O tempo é um ponto no que diz respeito à vida humana, ao passo que a substância flui, a percepção sensorial é imprecisa, a composição do corpo inteiro facilmente putrescível, a alma é um pião que rodopia, o destino difícil de ser previsto e o prestígio carente de discernimento. Em síntese, tudo aquilo que diz respeito ao corpo é um rio. Enquanto o que diz respeito à mente ou à alma é um sonho e uma fumaça; quanto à vida, é uma guerra e uma estada em país estrangeiro, a fama dada na posteridade um esquecimento. O que, então, é capaz de nos oferecer uma orientação? Somente a filosofia. Esta requer vigiar para que a divindade interior se mantenha não violenta e incólume, acima de prazeres e sofrimentos, sem agir de maneira aventureira, destituída de meta, nem mentirosa e hipócrita, dispensando absolutamente a ação ou a inação alheias; ademais, aceitar todo tipo de acontecimento e o lote que nos cabe, seja qual for, como provenientes daquele lugar, seja onde for, de onde nós mesmos provimos; e principalmente aguardar a morte em uma disposição favorável e tranquila, porquanto ela nada é senão a dissolução dos elementos a partir dos quais cada ser vivo é composto. Se assim, para os próprios elementos nada há de se temer no fato de cada um se transformar continuamente no outro, por que temer e preocupar-te com tua transformação e dissolução no conjunto? Isso é conforme a natureza, e nada que é conforme a natureza constitui mal.  (p. 31)

LIVRO III

1.A vida vai se consumindo e deixando atrás de si uma menor porção para ser vivida, tampouco que, se alguém vive mais, é incerto se seu intelecto vai se conservar o mesmo no transcorrer dos anos, concedendo-lhe entendimento para os negócios e conhecimento conquistado na experiência para perscrutar as coisas divinas e humanas. (p.33)

1. Convém, portanto, que te apresses, não só porque estás cada vez mais próximo da morte como também porque teu intelecto que te capacita a acompanhar um raciocínio em relação às coisas já está antecipadamente condenado ao aniquilamento. (p. 33)

4....o cuidado no sentido de evitar aquilo que é arriscado e vão, principalmente o que é supérfluo e pernicioso; habitua-te a pensar somente naquilo que, se alguém te perguntar de repente o que estás pensamento, possas responder com total franqueza e de imediato; ...alguém que aceita com toda sua alma tudo o que acontece e o lote que lhe cabe; é alguém que raramente se põe a imaginar o que os outros dizem, ou fazem, ou pensam, a não ser por força da necessidade e quanto se trata de grande interesse da comunidade. [...] apenas se atém às suas funções e ao que lhe diz respeito, e seu pensamento está ininterruptamente ligado ao lote do universo que lhe cabe dentro da trama tecida pelo destino; cumpre suas funções honrosamente e está persuadido de que as coisas ditadas pelo destino são boas. (p. 35)

5. Não exprimas teu pensamento de maneira engenhosa e com floreios; [...]. Mantém[GKF1]  a alegria e a autossuficiência, dispensando os serviços externos bem como aquela tranquilidade dos outros. (p.36)

6. Escolhe – eu digo – de maneira simples e livre o que é melhor e prende-te a isso. O melhor, porém, é o útil.

7. Por toda a vida, seu único cuidado é manter seu pensamento ocupado com o que é próprio a um ser vivo racional e social. (p, 37)

13. Como os médicos têm sempre à mão instrumentos variados e bisturis para as situações súbitas de emergência que exigem seus cuidados de contar com os princípios à tua disposição para o conhecimento das coisas divinas e humanas e para realizar até aquilo que é o mais ínfimo, lembrando-te do laço que une ambas essas coisas mutuamente. Com efeito, nada de humano realizará bem sem que, simultaneamente se relacione com o divino, tampouco o oposto.

14. Não te distancies do caminho reto se deixando enganar, pois não estás na situação de reler tuas memórias. [...] (p.39)

 

LIVRO IV

3. Tudo o que resta, portanto, é lembrar-te do retiro que podes realizar no pequeno campo no interior de ti mesmo; e, acima de tudo, não te apresses na ansiedade, nem sejas inflexível, mas livre, e vê as coisas como homem, como ser humano, como cidadão, como animal mortal. (p. 42)

26. Ótimo, tudo aquilo que acontece foi determinado para ti pelo universo desde o princípio segundo a trama do destino. (p. 47)

33. Assim, no que é preciso que coloquemos nosso empenho? Apenas no seguinte: um pensamento de acordo com a justiça, uma conduta em prol do interesse comum, um discurso que jamais engane e uma disposição que acolha zelosamente todos os acontecimentos como necessários, como aptos a serem reconhecidos, como brotando do mesmo princípio e da mesma fonte.

35.Tudo é efêmero, inclusive o lembrar e aquilo de que se lembra.

36. Mantém-te a observar que tudo acontece por meio de transformação e habitua-te a ter em mente que nada agrada mais a natureza do universo do que transformar os seres e produzir novos seres semelhantes. Com efeito, tudo que existe é de alguma maneira uma semente das coisas que serão. Todavia, a única ideia que fazes do que seja semente é das sementes lançadas à terra ou a do sêmen lançado ao útero da mãe. Isso é ser extremamente ignorante. (p.49)

46. A morte da terra é o nascimento da água, a morte da água é o nascimento do ar, a morte do ar é o nascimento do fogo, e assim inversamente.

48. [...] encerra teus dias serenamente a imitar uma azeitona que cai quando madura, a louvar a terra que a fez nascer e a agradecer à árvore que a produziu.

50. Observa atrás de ti o infinito do tempo e adiante de ti outro infinito. (p. 52, 53)

LIVRO V

1.[...] será o caso de manter o mau humor, quando sei que vou fazer aquilo para o que nasci e em função do que fui instalado no mundo? Ou será que fui feito para ficar deitado e me conservar aquecido sob as cobertas? [...] Não vês que os arbustos, os pequenos pardais, as formigas, as aranhas, as abelhas exercem suas atividades próprias concorrendo, cada um deles, para a ordem do mundo? E tu, depois disso, não queres realizar as obras humanas? [...], entretanto, é preciso também repousar. [...] não amas a ti mesmo, pois, se fosse o caso, amarias igualmente tua natureza e a vontade dela. (p. 55)

3. No que se refere a ti, não fiques olhando a tua volta, mas segue direto rumo a tua meta, encaminhado por tua natureza e aquela comum: a estrada que ambas percorrem é uma só.

5.[...] visto que dependem totalmente de ti, a saber, a honestidade, a seriedade, a firmeza diante do trabalho árduo, a moderação quanto aos prazeres, a aceitação da própria sorte, o gênero de vida com poucas necessidades, a benevolência, a postura de um homem livre, a simplicidade, a ausência de frivolidade, a magnificência. (p. 56)

8. Ademais, acolhe prontamente tudo o que te acontece, mesmo quando o julgues mais amargo, porque tudo isso conduz à saúde do mundo, ao caminho sem obstáculos e à felicidade de Zeus. (p. 58)

18. Nada acontece a alguém que não pode ser naturalmente suportado. (p. 62)

Eu me tornei, no passado, em qualquer lugar em que pudesse ser encontrado, alguém feliz. – Entretanto, alguém feliz é quem destinou a si próprio um bom lote; ora, um bom lote são as boas maneiras de ser da alma, os bons impulsos, as boas ações. (p. 66)

LIVRO VI

11. Quando o império dos acontecimentos se abate sobre ti a ponto de ameaçar-te, volta-te depressa para o interior de ti mesmo e não te ausentes mais que o necessário na medida, pois serás mais controlador de tua harmonia se mais continuamente fizeres o caminho de volta a ela. (p.68)

15. Fluxos e alterações restauram o mundo incessantemente, como a continuidade do tempo concede renovação perpétua à duração infinita. No que poderia alguém atentar nesse rio em que as coisas fluem, se a ninguém é facultado fixar o olhar em nenhuma delas? [...] A propósito, a própria vida de cada um de nós é como a exalação do sangue e a aspiração do ar. De fato, aspirar uma vez o ar e logo expirá-lo, essa atividade que executamos a cada momento, é idêntico a retornar ao manancial do qual hauriste esse ar inicialmente, a totalidade da faculdade respiratória que adquiriste ontem ou anteontem (muito recentemente), quando nasceste e de onde tiraste o primeiro alento. (p.70)

21. Se alguém é capaz de me convencer e me evidenciar que o que penso e faço não é correto, será com contentamento que me corrigirei; afinal procuro a verdade, a qual jamais causou danos a alguém. Aquele, porém, que persevera no engano e na ignorância causa danos a si mesmo. (p. 71)

30. Desse modo, vigia para te conservares simples, bom, íntegro, digno, sem afetação, amante da justiça, devoto dos deuses, benevolente, terno com teus familiares, firma com referência à prática do que é decente. [...] Presta reverência aos deuses e assistência aos seres humanos para sua preservação. A vida é curta. [...] Tem em mente seu empenho visando uma conduta em conformidade com a razão, seu espírito de igualdade em todas as situações, sua religiosidade, a serenidade de seu semblante, sua doçura, sua indiferença quanto às glórias vãs e quão cioso ele era no sentido de compreender profundamente os negócios em pauta. (p. 73)

36. Atos é um pequeno torrão do mundo; todo o tempo atual é um ponto da eternidade. Todas as coisas são pequenas, inconstantes, fadadas ao desaparecimento. (p. 74)

39. Ajusta-se às coisas que te foram destinadas pela sorte; e ama, mas verdadeiramente, as pessoas que o destino a ti apontou para a convivência.

42. até aqueles que dormem, trabalham e auxiliam no que se produz no mundo. As pessoas colaboram de modos diferentes, e devemos adicionar inclusive aquelas que profere queixumes e aquelas que tentam se opor aos acontecimentos e eliminá-los. (p. 75)

LIVRO VII

1.Tudo é costumeiro e transitório.

3. É indispensável ter compreensão, atentando para cada palavra, daquilo que se diz, e sobre cada ação, deve-se ter compreensão do seu efeito. Nesse caso, é necessário ver diretamente a relação do ponto de vista de sua meta, ou melhor, a qual meta a ação se relaciona; quanto ao outro caso, é preciso observar o significado das palavras. (p. 81)

7. Não te envergonhes de receber ajuda, uma vez que cabe a ti assumir teu dever como um soldado que combate nos muros de uma cidade. (p.82)

15. Independentemente do que se faça ou o que se diga, devo ser bom, como se o ouro, ou a esmeralda, ou a púrpura não cessassem de dizer; não importa o que se faça ou se diga, devo ser esmeralda e conservar minha cor.  (p. 83)

18. Temerá alguém a mudança? Ora, o que pode vir a ser dissociado da mudança? O que é mais agradável ou mais próprio à natureza do universo? Podes banhar-te sem que a madeira sofra mudança? (p. 84)

24. A fisionomia marcada pelo ressentimento contraria a natureza extremamente [...]. Se for perdida a consciência de nossos erros, que razão haverá ainda de viver?

25. Todas as coisas que vês, por serem transitórias, são transformadas pela natureza, governante do universo, e esta as transforma, sendo que, da substância dessas coisas, ela produzirá outra coisa e, da substância destas últimas, ainda outras, para que o mundo esteja em perpétua renovação. (p.85)

28. Recolhe-te em ti mesmo.

29. Apaga a imaginação. [...] Circunscreve-te ao tempo presente. Aprende a conhecer o que acontece a ti ou aos outros. Discerne e decompõe no que serve de fundamento às coisas o causal e o material. Pensa na hora derradeira. Que o erro cometido por alguém permaneça onde foi cometido.

31. Torna manifestos em ti a simplicidade, o sentimento de honra e a indiferença em relação àquilo que se encontra a meio caminho entre a virtude e o vício. (p.31)

32. A respeito da morte: ou é uma dispersão, na hipótese de tudo o que existe serem átomos, ou é uma extinção ou transformação, na hipótese de uma redução à unidade.

43. Não se unir nos lamentos nem se unir nas agitações.

49. Examina o passado profundamente: as tais principais mudanças. Poder, inclusive, prever as coisas vindouras.

54. Está em teu alcance em todo lugar e constantemente com devoção religiosa contentar-se com o que acontece a ti presentemente, teres um comportamento justo com as pessoas que presentemente estão a tua volta e lidares metodicamente com tuas ideias atuais para que nada incompreensível nelas se introduza.

 

Sobre uma postura mais racional na vida

55. Não olhes ao teu redor dando atenção à faculdade condutora alheia, mas olha diretamente para onde a natureza te encaminha, ou seja, a universal, atuante mediante os acontecimentos que te atingem e tua natureza, que atua por meio das obrigações a que te submete. Cada um deve realizar aquilo que atende a sua constituição. [...] Portanto, na constituição humana, o prioritário é o aspecto social. Em segundo lugar, vem a firmeza ou a inflexibilidade diante das exigências corpóreas; de fato, o que caracteriza o movimento da razão e da inteligência é estabelecer com precisão um limite para si mesmo e não ser julgado nem pelas agitações dos sentidos nem pelos impulsos do instinto. Com efeito, esses impulsos ou agitações têm caráter animal. Contudo, a vontade do movimento da inteligência é prevalecer e não ser dominado por aquelas agitações e impulsos. [...] O terceiro ponto é que faz parte da constituição de uma ser racional não ser precipitado nem se deixar enganar facilmente. Portanto, que tua faculdade condutora, tendo isso disponível, siga sem desvios seu caminho e mantenha a posse do que lhe cabe. (p. 89, 90)

57. Limita-te a amar o que acontece a ti mesmo e a trama de teu destino. Afinal, o que seria a ti mais conveniente?

58. [...]. Com efeito, há como tirar bom proveito dos acontecimentos e eles se revelarão matéria apropriada para ti. Apenas te preocupa em ser bom e dirige tua vontade nesse sentido, sendo bom em tudo o que fazes e lembra-te de duas coisas, a saber, que o que importa é ação boa e que é indiferente a ocasião na qual a praticas. (p. 90)

58. Observa o teu interior. A fonte do bem está em teu interior, fonte capaz de jorrar sempre desde que tu caves sempre.

60. É preciso que o corpo tenha também sua firmeza e consistência, que não seja frouxo em seus movimentos nem em sua postura. (p. 90)

64. o sofrimento não é intolerável nem eterno, desde que te lembres de seus limites e que a ele nada acrescentes por meio da opinião que dele tens. (p.91)

68. Conserva tua vida sem recorrer à violência, na plena alegria, inclusive quando todos vociferem contra ti movidas por vontade deles, mesmo quando as feras vierem a despedaçar os pobres membros dessa massa de carne que engordas em torno de ti. Afinal, em todas essas situações, qual a barreira existente a impedir teu pensamento de preservar sua calma, de, ao presenciar o que ocorre a tua volta, julgar-te segundo a verdade e de estar a postos para fazer uso daquilo que se põe em teu caminho? (p.93)

69. Nisto consiste a perfeição dos costumes: conduzir cada dia da vida como se fosse o derradeiro, não se agitar, nem se entorpecer, nem fingir. (p.93)

71. É ridículo não escapar de um vício ou maldade pessoal, algo que é possível, e tentar escapar do vício ou da maldade alheia, algo que é impossível. (p.93)

LIVRO VIII

1.ser indiferente à vanglória, a saber, a incapacidade de ter tornado tua vida toda, ou ao menos a porção dela a partir da juventude [...] deixa de lado a opinião que alimentam sobre ti; trata sim de te satisfazer em viver o resto de tua vida, independentemente de quanto dure, de acordo com a vontade da natureza. Portanto, observa racionalmente qual é a vontade da natureza e não te distraias com nenhuma outra coisa; de fato, já experimentaste – e em meio a quantos extravios [...].  Os que dizem respeito ao bem e ao mal, nomeadamente que indicam que não existe nenhum bem para o ser humano senão naquilo que nele produz justiça, moderação, coragem, liberdade e nenhum mal senão naquilo que nele produz os opostos de tais excelências.  (p. 95)

5. Em primeiro lugar, não te perturbes, pois tudo se comporta de acordo com a natureza do universo, e em pouco tempo tu não serás nada, como não são Adriano nem Augusto. Em seguida, detendo firmemente o olhar naquilo de que te ocupas, examina-o bem; lembra-te, ao mesmo tempo, de que deves ser uma pessoa boa e que, quanto à exigência da natureza humana, deves cumpri-la sem qualquer hesitação, e fala do modo que se revela a ti como sendo o mais justo: somente o faça com bondade e doçura, com discrição e sem fingimento.

6. O trabalho da natureza do universo consiste em mudar as coisas de lugar, deslocar o que está aqui para lá, transformá-la e toma-lo de onde está para transportá-lo para algum outro lugar. Todas as coisas estão em mudança; assim, não há por que temer a presença do novo; tudo está inserido no hábito; as atribuições, todavia, estão em pé de igualdade. (p.96)

7. Quando despertares com dificuldade, lembra-te que prestar ações em prol da comunidade é o que está de acordo com tua constituição e com a natureza humana, ao passo que dormir é algo que compartilhas com os animais irracionais; realmente, o que está em conformidade com a natureza de cada criatura é o que lhe é mais próprio, o que mais lhe convém naturalmente e, em resultado disso, o que lhe é mais agradável e salutar. (p. 97)

22. Concede atenção àquilo que tens sob os olhos e de que te ocupas ou a teus princípios, ou a teus atos, ou ao significado de tuas palavras.

23. Sou atingido por algum acontecimento? Eu o acolho tomando como referência os deuses e a fonte de tudo, origem comum do conjunto de todos os acontecimentos. (p. 99)

26. A alegria do ser humano consiste em fazer o que é característico do ser humano. Característico do ser humano são a benevolência no trato com aqueles que são de sua espécie, o desprezo pelos impulsos e agitações dos sentidos, o discernimento no que toca às ideias dignas de crédito e a observação da natureza do universo e dos acontecimentos que são determinados por ela.

28. De fato, todo juízo, impulso, desejo e todo ato de se esquivar de algo residem em nosso interior, onde nenhum mal acessa.

29 Está em meu poder agora fazer que não esteja presente nesta alma nenhuma maldade, nenhum apetite, em resumo, nenhuma perturbação. Que contemplando todas as coisas como elas são, eu me sirva de cada uma com base no calor que cada uma possui. (p. 100)

40. Se consegues simplesmente afastar tua concepção sobre o que parece causar-te aflição ou dor, tu te colocas em uma posição de máxima firmeza e segurança. (p. 103)

46. Se, assim, apenas acontece a cada um o que é para cada um habitual e natural, por que teu descontentamento?

51. Nas ações, não aja de maneira precipitada nem de maneira lânguida ou negligente; nas conversas, não seja criador de confusão e de desentendimento; nas ideias, não te desorientes perdendo a coerência; na tua alma, de modo algum te contraias sob o peso das preocupações nem te distraias fugindo delas; e não ocupes tua vida inteira com negócios e dificuldades dispensando o ócio. (p. 105)  

Como carregarás em ti uma fonte inesgotável? Conservando-te constantemente atento à liberdade acompanhada da benevolência, da simplicidade e da discrição. (p.106)

59. Os seres humanos nasceram para a reciprocidade. (p.107)

LIVRO IX

1.[...]

Ademais, o irreligioso aquele que busca os prazeres como se fossem bens, ao passo que foge das dores como se fossem males. [...] Aquele que busca os prazeres não conseguirá abster-se deles e cometerá injustiças; isso é visivelmente irreligioso. [...] é necessário que aqueles que querem acatar a natureza e estar em harmonia com ela experimentem também uma disposição de indiferença em relação àquelas coisas...(p.110)

3. ou seja, com referência à morte, não ser negligente, nem impulsivo, nem desdenhoso, mas por ela aguardar como uma das atividades da natureza. [...] É preciso indispor-se o menos possível com as pessoas, mas preocupar-se com elas e suportá-las com brandura. [...] a possibilidade de conviver com gente que compartilhasse de teus princípios. Porém, agora percebes quanto sofrimento e esgotamento advêm dos desentendimentos produzidos na vida em comum, a ponto de ser levado a declarar: “Vem mais depressa, ó morte, pois receio que venha a acontecer de eu também esquecer-me de mim mesmo”.

7. Suprimir a imaginação; frear o impulso; extinguir o desejo; conservar o controle da faculdade condutora. (p.111)

12. Esforça-te no trabalho! Não com um infeliz nem como alguém que quer ser alco de compaixão ou admiração, mas como uma pessoa que quer unicamente mover-se ou deter-se como a razão social considera justo. (p.113)

13. Hoje escapei de todas as circunstâncias difíceis e desfavoráveis; ou melhor, arremessei fora todas as circunstâncias difíceis e desfavoráveis; com efeito, não se achavam fora de mim, mas dentro de mim, nos pontos de vista que eu sustentava. (p. 113)

14. o tempo torna tudo efêmero; a matéria torna tudo sujo e sórdido...

19. Todas as coisas estão em transformação. Tu próprio, inclusive estás em contínua alteração e, sob alguns aspectos, também em um processo de corrupção; e o mesmo vale para a totalidade do mundo. (p. 114)

LIVRO X

5.Aquilo que te acontece já estava de antemão reservado para ti desde a eternidade; ademais, o entrelaçamento das causas que constitui a trama do destino uniu tua substância e o eventual desde toda a eternidade. (p. 122)

8. Quando admitires os nomes de bom, reservado, verdadeiro, sensato, resignado, magnânimo, atenta no sentido de não os alterar; e na hipótese de perder esses nomes, apressa-te no retorno a eles. Lembra-te de que a palavra sensata tinha o propósito de significar para ti atenção discriminadora minuciosa com cada coisa e a ausência da distração; e que a palavra resignado referia-se à aceitação voluntária daquilo que a ti é atribuído pela natureza comum na qualidade de teu quinhão; quanto a magnânimo, era a elevação da parte que pensa acima da agitação regular ou irregular da carne, na glória tacanha, da morte e de todas as coisas que com estas guardam semelhança. [...] (p. 124)

11. Visando especular como todas as coisas transformam-se entre si, obtêm para ti um método, baseia-se nele continuamente e empenha-te no que se refere a isso.

12. Aquele que tudo segue a razão e, ao mesmo tempo, calmo e flexível e, ao mesmo tempo, radiante e sério. (p.126)

[...] A efemeridade é o que há de comum em todas as coisas. (p.131)

 

37. Diante de toda ação alheia que observas, acostuma-te, na medida do possível, a indagar a ti próprio o seguinte: “Essa ação está relacionada com qual objetivo?” Mas, principia por ti mesmo, sendo tu o primeiro a ser sondado. (p. 132)

LIVRO XI

13. Alguém me despreza? Isso é sua ocupação. Quanto a mim, ocupo-me em jamais ser descoberto ou flagrado fazendo ou dizendo algo que mereça desprezo. Fulano me odeia? Isso é sua ocupação. Eu, porém, ocupo-me em tratar todos com benevolência e afabilidade, pronto a assim me manifestar até com a pessoa que me dirige o ódio, não o levando em conta, disposto, inclusive, a fazê-la desistir dele, sem afrontar a pessoa nem exibir minha moderação, mas de modo sincero, conveniente e prático, por exemplo, à maneira do famoso Fócio, se é que ele não recorreu à dissimulação. Com efeito, é preciso que essas coisas existam em nosso íntimo e que se ofereça aos olhares dos deuses uma pessoa disposta a não manifestar irritação com nada nem aflição intensa com nada. (p. 139)

15. A prática da simplicidade é um sabre de gume único. O que há de mais vil é uma amizade lupina. Entre todos os vícios, foge, sobretudo, desse. A pessoa boa, simples e benevolente retém esses atributos nos olhos, e eles não passam despercebidos. (p. 140)

18. Em sexto lugar, sempre que te aborreceres exageradamente ou suportares algo penosa ou impacientemente, considera que a vida é demasiado curta e que dentro de pouco tempo todos nós desceremos ao túmulo. (p. 141)

 

 

 

LIVRO XII

3.Se afastas de ti, isto é, de teu pensamento, tudo aquilo que os outros fazem ou dizem, ou tudo aquilo que tu mesmo fizeste ou disseste, tudo aquilo que te perturba quanto ao futuro...

Se empenhas em viver apenas a vida que a ti se apresenta, isto é, a vida presente, estarás capacitado a viver o resto de tua existência até sua morte livre de perturbações, com nobreza e com favorecimento de tua própria divindade tutelar. (p. 148)

24. ...no tocante a tuas ações, não as realizar aleatoriamente nem de maneira distinta daquilo que a própria justiça teria exigido que fossem realizadas no tocante aos acontecimentos externos.

25. Joga fora a opinião e, com isso, estarás seguro.

26. Toda vez que te impacientas com algo, esqueces que tudo acontece em conformidade com a natureza do universo, que os erros alheios não te dizem respeito, que tudo o que acontece sempre aconteceu, continuará a acontecer e agora acontece em todo lugar. (p. 152)

 

Referência 

Aurélio, Marcos. Meditações. Tradução e notas de Edson Bini. - São Paulo: Edipro, 2019. 


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