Racismo Estrutural: uma síntese do livro do professor Silvio Almeida por Grace Kelly Ferreira



Não me proponho aqui nestas linhas a fazer uma análise profunda ou até mesmo um relato íntegro do livro do professor Silvio Almeida – Racismo Estrutural, porque não pude ler o livro como gostaria, o fiz entre as pausas forçadas do dia-a-dia, acordando mais cedo, lendo antes de ir para o trabalho ou até durante as horas atividades quando dava e em meio ao caos que é uma escola pública. Então, não é um texto nada acadêmico, como merecia, pois se trata de uma obra complexa. É apenas algumas impressões minhas, muito particulares mesmo.

***

O livro traz reflexões muito significativas a respeito do conceito de raça e racismo. A começar pela própria etimologia da palavra raça. Seu significado estando ligado ao ato de classificar plantas e animais, mais tarde com o processo histórico do colonialismo, passou a ser usado para classificar seres humanos. Sendo assim, o livro traz a ideia de que circunstâncias históricas de meados do século XVI foram as que forneceram um sentido específico de raça. Compreender nas escolas, por exemplo, conceitos como o Mercantilismo e uma de suas práticas principais, o colonialismo, é fundamental para compreender o conceito, a origem de raça, e como o racismo se estrutura, fundamentalmente em nosso país, o Brasil. A ideia de raça na história e do europeu como “homem universal”, por exemplo, seus padrões éticos, estéticos, econômicos e culturais, ditados ao mundo após a colonização dos continentes africano e americano em essência.

Quando falamos de mercantilismo e seu produto, o colonialismo, estamos nos referindo à dinâmicas econômicas e de dominação políticas do século XVI explicitamente até o XVIII. E, é no século XVIII com o projeto iluminista que entra em voga a ideia de igualdade. E, mais uma vez, como professora de uma escola pública, abordamos o Iluminismo no fundamental e ensino médio, como um movimento filosófico e intelectual do século XVIII que combate o Antigo Regime e suas características – política (o absolutismo) econômica (o mercantilismo) e social (a sociedade estamental). E tem, como fundamentos principais a ideia de liberdade, igualdade e fraternidade, instauradas na Revolução Francesa.

Só que, claro que hoje, podemos levar aos nossos alunos evidências, documentos que demonstram que está igualdade e liberdade não era para todas e todos e sim para a manutenção dos privilégios do homem branco. Porque, como citado no livro, a “Revolução Haitiana tornou-se evidente que o projeto liberal-iluminista não tornava todos os homens iguais e sequer faria com que todos os indivíduos fossem reconhecidos como seres humanos.” (2021, p. 27)

O racismo, portanto, é:

 

“uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”. (ALMEIDA, 2021, p. 32)

Há uma relação entre os conceitos de racismo, preconceito racial e discriminação racial. Segundo o professor Silvio Almeida, “o preconceito racial é o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertençam a um determinado grupo racializado, e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias.” (2021, p. 32) A discriminação racial é quando atribuímos um tratamento diferente a membros de grupos racialmente identificados.

O livro também apresenta três categorias de racismo, o racismo individualista, o institucional e o estrutural. A concepção do racismo individualista é a de que indivíduos isolados pratiquem atos preconceituosos de forma direta ou indireta. Trata-se de algo ligado ao comportamento individual e coletivo que só pode ser transformado através da educação, conscientização sobre os males do racismo e através do estímulo às mudanças culturais. Pois:

No fim das contas, quando se limita o olhar sobre o racismo a aspectos comportamentais, deixa-se de considerar o fato de que as maiores desgraças produzidas pelo racismo foram feitas sob o abrigo da legalidade e com o apoio moral dos líderes políticos, líderes religiosos e dos considerados “homens de bem”.  (ALMEIDA, 2021, p. 37)

 

A concepção institucional é a de que “as instituições moldam o comportamento humano, tanto do ponto de vista das decisões e do cálculo racional, como dos sentimentos e preferências”. (2021, p. 39) Sob essa ótica o racismo é tratado como o resultado do funcionamento das instituições que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, privilégios e desvantagens com base na raça.

No caso do racismo institucional, o domínio se dá com o estabelecimento de parâmetros discriminatórios baseados na raça, que servem para manter a hegemonia do grupo racial no poder. Isso faz com que a cultura, os padrões estéticos e as práticas de poder de um determinado grupo tornam-se o horizonte civilizatório do conjunto da sociedade. Assim, o domínio de homens brancos em instituições públicas [...] e privadas [...] depende, em primeiro lugar, da existência de regras e padrões que direta ou indiretamente dificultem a ascensão de negros/ou mulheres, e, em segundo lugar, da inexistência de espaços em que se discuta a desigualdade racial e de gênero, naturalizando, assim, o domínio do grupo formado por homens brancos. (ALMEIDA, 2021, p. 40, 41)

Já a concepção estrutural do racismo é a de que “as instituições são racistas porque a sociedade é racista”. Pois, o racismo é uma consequência da própria estrutura social, ou seja, o modo como foram se constituindo as relações econômicas, políticas, jurídicas e até familiares, o racismo foi se estruturando, por isso ele é estrutural. “Comportamento individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção.” (2021, p. 50)

Segundo o professor Silvio Almeida, racismo é processo político porque influencia na organização da sociedade, por isso é absolutamente sem sentido a ideia de racismo reverso ou racismo ao contrário, ou seja, dirigido às maiorias.

Há um grande equívoco nessa ideia porque membros de grupos raciais minoritários podem até ser preconceituosos ou praticar discriminação, mas não podem impor desvantagens sociais a membros de outros grupos majoritários, seja direta, seja indiretamente. Homens brancos não perdem vagas de emprego pelo fato de serem brancos, pessoas brancas não são “suspeitas” de atos criminosos por sua condição racial, tampouco têm sua inteligência ou sua capacidade profissional questionada devido à cor de sua pele. (2021, p. 53)

A formação nacional de Estados contemporâneos não foi produzida ao acaso, mas é resultado de projetos políticos. Nesse caso, a formação do Brasil é fruto de um projeto político racista. Pois, as classificações raciais definiram a hierarquia social de nossa sociedade. Enfim, o livro ainda discorrerá sobre teorias da formação do Estado, a relação entre Estado, racismo e teorias liberais. A relação entre o Estado liberal, o capitalismo e o racismo, conceitos como biopolítica e necropolítica. Abaixo segue alguns trechos na íntegra sobre os tópicos que não consegui sintetizar aqui:

·         Relação entre política (nacionalismo), economia (capitalismo) e sociedade (racismo).

·   “O controle da população pelo Estado, o que engloba o processo de formação das subjetividades adaptadas ao capitalismo, depende de um planejamento territorial que permita o controle e a vigilância da população”, (p. 101)

·      “Do mesmo modo que o nacionalismo cria as regras de pertencimento dos indivíduos a uma dada formação social, atribuindo-lhes ou reconhecendo-lhes determinada identidade, pela mesma lógica, também cria regras de exclusão”.

·     “Não se trata somente do biopoder e nem da biopolítica quando se fala da experiência do colonialismo e do apartheid, mas daquilo que Achille Mbembe chama de necropoder e necropolítica, em que guerra, política, homicídio e suicídio tornam-se indistinguíveis.” (p.117)

·    Foi com o colonialismo que o mundo aprendeu a utilidade de práticas como “a seleção de raças, a proibição de casamentos mistos, a esterilização forçada e até mesmo o extermínio dos povos vencidos foram inicialmente testados”. (p. 118)

·         O colonialismo e os Estados escravistas implicam uma nova configuração do terror – Balibar afirma que o apartheid sul-africano é um misto  de nazifascismo com escravidão. (p. 119)

·     Nesse sentido, as colônias, zonas de fronteira, “terras de ninguém”, são a imagem da desordem e da loucura. Não somente porque lhes falte algo parecido com o Estado, mas, sobretudo, porque lhes falta a razão materializada na imagem do homem europeu. Não se poderia considerar que algo controlado por seres tidos como selvagens pudesse organizar-se na forma de um “Estado” soberano. Não há cidadania possível, não há diálogo, não há paz a ser negociada. Já não se estabelece a diferença entre inimigo e criminoso, vez que a ambos só resta a total eliminação. (p. 121)

***

Sobre a origem do Estado e da biopolítica, compreendi que é o poder que o Estado exerce sobre a vida das pessoas de uma sociedade. O poder soberano consiste sobre a vida e sobre a morte, fazer viver e fazer morrer - “fazer morrer e deixar viver” - Poder do soberano, do rei, conduta ativa quando ele faz morrer, quando é passivo ele deixa viver. O “fazer viver e deixar morrer” trata-se da biopolítica porque cabe ao governante a gestão da vida, quando ele desenvolve políticas públicas para a gestão da vida.

Com o capitalismo industrial, o corpo foi apropriado por conta das novas necessidades geradas pelo neoliberalismo. Os corpos saudáveis são os corpos que produzem e consequentemente geram lucros e os que também consomem. O conceito de desenvolvimento refere-se, portanto, ao que ocorre nos limites da sociedade capitalista. Esse é, aliás, o cerne da crítica dos autores da chamada teoria da dependência, para quem o desenvolvimento de alguns países está inexoravelmente vinculado ao subdesenvolvimento de outros. Não existe, portanto, desenvolvimento sem subdesenvolvimento. Adotar um projeto de desenvolvimento nacional envolve a decisão de participar de um conflito interno e externo e uma posição de dominação ou de subordinação no jogo do capitalismo internacional. (2021, p. 193)

Depois, o professor Silvio Almeida também apresentará um conceito sobre Direito. Direito contido na ideia de justiça, visto como um valor, que está além das normas jurídicas. A vida, a liberdade, a igualdade e a propriedade como valores que devem ser cultivados por toda a humanidade e, mesmo que não estejam amparados por uma norma jurídica emanada por autoridade instituída –, devem ser protegidos. Enfim, o conceito de Direito e Justiça e o importante papel que teve e tem nas discussões sobre a escravidão, a ideia de raça e racismo.

***

Óbvio, a obra é muito mais do que isso que fiz aqui, como disse no início, uma obra complexa, acadêmica e que merecia uma análise e síntese mais aprofundadas, mas foi o que consegui fazer. Posteriormente, quem sabe, volto aqui e no livro para “sintetizar” melhor e de forma mais elaborada e aprofundada. Leia o livro e tire suas próprias impressões e reflexões, super recomendo!

 

Referência

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora Jandaíra, 2021

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Síntese de Sapiens: Uma breve história da Humanidade

Fichamentos de Carl Sagan

Apologia da História ou Ofício de Historiador